Mais de 1 bilhão de crianças
e adolescentes no mundo vivem em um cenário de insegurança. Para minimizar essa
situação, é necessário a adoção de medidas para frear esse problema, que se
configura como uma ameaça real para o bem-estar e o futuro da juventude, alerta
a pesquisa Infância [Des]Protegida, da Organização Não Governamental (ONG)
Visão Mundial, lançada esta semana durante o Seminário da Rede Nacional de
Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em
Brasília.
"Essa violência,
infelizmente, começa dentro de casa. Nós queremos, enquanto organização, ser uma
voz que represente a luta contra a violência de todas as crianças e
adolescentes do país", disse a diretora Nacional da ONG Visão Mundial,
Raissa Rossiter. "Precisamos trabalhar junto a todas as instituições da
sociedade para garantir um lar saudável e seguro para aqueles que são o nosso
futuro", completou.
Seja o espaço familiar ou
escolar, principais lugares de convivência durante infância e adolescência, ter
um ambiente adequado e seguro para o desenvolvimento integral da criança e do
adolescente se caracteriza como uma política tão urgente quanto necessária,
indica a ONG.
No Brasil, o estudo foi realizado em 67 escolas de ensino público dos estados de Alagoas, da Bahia, do Ceará, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, no período de agosto a setembro de 2018. Foram selecionados, por amostragem aleatória simples, 3.814 estudantes do 5º ao 9º ano (entre 9 e 17 anos).
Dos entrevistados, 52%
declararam não se sentir protegida no ambiente escolar. Quando pergunta aborda
a segurança dentro de casa, 78% disseram que dentro de casa se sentiam mais
protegidos. Entre as escolas que participaram da pesquisa, o município de Nova
Iguaçu, na Baixada Fluminense, teve o pior resultado entre as cidades
analisadas, sendo que 36% dos alunos afirmaram que é normal o cancelamento das
aulas devido a tiroteios, confusão na rua e situações de violência e perigo.
As comunidades onde vivem as
crianças e os adolescentes entrevistados são regiões marcadas por
marginalidade, violência, desemprego, fome e falta de acesso a políticas
públicas. “Nesse contexto, quanto maior a densidade demográfica, mais crítica é
a situação e a criança fica exposta diariamente a toda essa violência, que
inclui tráfico, assassinato e criminalidade. Isso afeta diretamente o bem-estar
e a qualidade de vida desses jovens”, de acordo com a ONG.
A ONG Visão Mundial ressalta
ainda que a segurança é um dos principais pré-requisitos para a aprendizagem. A
importância de uma educação significativa e segura é reconhecida no Objetivo 4
de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
A violência em casa
Outro fator crítico é a
violência dentro de casa. A pesquisa mostrou que a maioria das crianças e
adolescentes sofre punição física quando faz algo de errado (62%), sendo mais
frequente entre crianças de 9 a 11 anos (76%) e negros (66%). Para a Visão
Mundial, isso indica que existem normas sociais que tornam aceitável e legítimo
o uso da punição física como forma de educação dos filhos.
Além disso, metade das
crianças fica desacompanhada. Isso vem a confirmar os dados oficiais de que a
negligência familiar é a expressão mais significativa de denúncias contra os
direitos fundamentais da infância e adolescência no Brasil. Foram registradas
26.842 denúncias (71,39%) apenas no primeiro semestre de 2018, segundo o
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Reação
Toda violência contra a
infância deixa marcas a longo prazo: consequências sociais, emocionais, mentais
e físicas, que se arrastam pela vida adulta. A ONG Visão Mundial realizou a
pesquisa para, justamente, dar voz a crianças e adolescentes como uma oportunidade
para que eles expressem sua percepção de segurança nos espaços familiares e
escolares, visando aumentar a consciência coletiva da sociedade sobre o
problema e, consequentemente, a proteção à infância.
O estudo conclui que os
atores sociais precisam se mobilizar, com urgência, na luta contra a violação
dos direitos das crianças e dos adolescentes para mudar o cenário atual e
aponta para a intensificação de políticas públicas como uma possível solução
para proteger os mais vulneráveis. Nesse sentido, foi criada a campanha global
It Takes a World, pela ONG Visão Mundial, que tem como meta estudar e criar
medidas de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos
pela Organização das Nações Unidas para frear a ameaça ao bem-estar e o futuro
da juventude.
"Precisamos encontrar
soluções para colocar fim nesse problema por meio de um esforço colaborativo
entre todas as instituições do sistema de proteção", disse a especialista
em Proteção à infância da Visão Mundial, Karina Lira.
Karina elencou algumas das
iniciativas que a ONG trabalha em diversos âmbitos - urbano, âmbito familiar,
escolar e religioso (com apoio de igrejas, no caso). “O Igreja Segura para as
crianças é uma abordagem onde a Visão Mundial mobiliza, sensibiliza e capacita lideranças
de igrejas cristãs ou outras organizações baseadas na fé, que desenvolvem
projetos sociais com crianças e adolescentes, para que elas desenvolvam
iniciativas de proteção à infância”, disse.
Segundo ela, a Visão Mundial
apoia essas “organizações na construção de suas políticas de proteção e no
plano de implementação dessas políticas, que são ações práticas de prevenção e
acolhimento de jovens vítimas de violência no espaço das igrejas”.
Karina disse também que as
comissões de proteção nas escolas ocorrem por meio de uma parceria que a ONG
tem com as secretarias da Educação para formar um grupo, representado por
famílias, professores, diretores, dentro das escolas. “Esses grupos têm como
objetivo fazer com que seus membros sejam capazes de identificar situações de
violência e, após isso, elas encaminhem esses casos ao sistema de garantia de
direitos, ou Sistema de Proteção Local. Esses grupos também constroem um plano
para pensar e implementar ações de prevenção a violência e promoção de cultura
de paz no âmbito escolar”.
Ao falar sobre o programa
Família Cuidadora, disse que trata de uma metodologia, na qual a Visão Mundial
sensibiliza e desenvolve oficinas de formação com as famílias com o objetivo de
fortalecer o vínculo entre o cuidador e a criança para prevenir a ocorrência da
violência doméstica. “A partir dessas oficinas, os cuidadores aprendem a como
promover os bons tratos, como estimular as crianças e adolescentes e como
educar de maneira positiva e sem violência”.
Segundo Karina, as ações e
abordagens auxiliam na promoção de ambientes seguros, tanto no espaço familiar
como nos espaços institucionais, como a escola e as igrejas. “Nesses espaços, a
Visão Mundial ajuda a fortalecer mecanismos que permitam a identificação de
situações de violência, o acolhimento e o encaminhamento dessas crianças e
adolescentes que são identificadas para atendimento, além da própria ação de
prevenção. Com as famílias, nosso foco de atuação é no fortalecimento de
vínculos entre cuidadores e as crianças, na promoção de bons tratos”, concluiu.
Para a ONG Visão Mundial,
fica evidente pela pesquisa que a pobreza e a desigualdade são condições
estruturais geradoras da própria violência e impactam diretamente na qualidade
da infância, sobretudo para grupos específicos como crianças e adolescentes de
sexo feminino, com deficiência, negros e moradores em contextos urbanos. Dessa
forma, é indispensável aprofundar o debate e a compreensão de como a sensação
de insegurança afeta diretamente o aprendizado e o desempenho.
Sobre a Visão Mundial
A Visão Mundial Brasil
integra a parceria World Vision International, que está presente em cerca de
100 países. No país, a Visão Mundial atua desde 1975 em dez estados,
beneficiando 2,7 milhões de pessoas com projetos nas áreas de educação, saúde/proteção
da infância, desenvolvimento econômico e promoção da cidadania. Seus projetos e
programas têm como prioridade as crianças e adolescentes que vivem em
comunidades empobrecidas e em situação de vulnerabilidade. Nesses 42 anos de
atuação no Brasil, a ONG se consolida como uma organização comprometida com a
superação da pobreza e da exclusão social.
O estudo completo está
disponível no link visaomundial.org/infanciadesprotegida
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